quinta-feira, novembro 10, 2005

Demasiado real para ser ficção!

Sou professor, sou um privilegiado!

Chego a esta conclusão: para quê dar o litro pelo ensino, se o ensino não me dá nada a mim? Não sou um missionário! Sou um profissional de educação e isso significa que também tenho barriga! Já me basta ter de aturar "colegas" que não me respeitam, criancinhas birrentas mal educadas pelos pais, pais que nunca o deveriam ter sido pois não assumem as suas responsabilidades, edifícios degradados em que nem giz tenho para escrever no quadro…


Levanto-me, de manhã, por volta das 06:30 para fazer uma viagem de 45 km até à minha escola. Gasto 6 litros de gasolina todos os 5 dias da semana só para ir trabalhar. Tenho aulas em 8 dos dez turnos (manhãs e tardes) da semana, o que significa que almoço na escola 3 vezes por semana, à média de 6 € por refeição. Por semana são 54 €, mais ou menos 230 em cada mês. Há dias em que tenho uma aula às 08:30 e depois só volto a ter aulas às 13 :30. Durante aquelas três horas nada posso fazer senão olhar para o boneco, que a escola não tem condições para se poder trabalhar.Chego a casa por volta das 18:00, tão cansado como qualquer outro português depois de um dia de trabalho. Mas há dias em que chego mais tarde, porque tenho reuniões de grupo, de departamento, de conselho pedagógico, de coordenação do centro de recursos, com os pais, de directores de turma, do ensino especial, etc., etc., etc.

Sou contratado há 11 anos. Embora as empresas privadas sejam obrigadas, por lei, a inserir nos quadros de pessoal todos os funcionários com 3 anos de "casa", o Estado dá-me um valente pontapé nos fundilhos todos os dias 31 de Agosto de cada ano. Até 2000, nem subsídio de desemprego recebia; e os que recebi após essa data fui obrigado a devolver porque, segundo as finanças, os meus ganhos são "muito elevados" (sic).Todos os anos mudo de escola: quando me começo a habituar ao sítio onde estou, já estou de partida. Os meus alunos perguntam-me se serei professor deles no próximo ano: respondo-lhes que não sei, sequer, se serei professor novamente na vida. No dia em que efectivar, se for vivo quando lá chegar, terei de partir para a diáspora: migro para uns valentes 200 ou 300 km de distância, na esperança de conseguir uma escola ao pé de casa - a uns 45 km, como actualmente - quando já for velhinho.

Desde que comecei a leccionar já dei mais de 20 níveis diferentes, o que dá uma média de 2 níveis novos em cada ano. Já nem tenho espaço no escritório para tantos dossiês...

A cada semana que passa dou 20 horas de aulas, distribuídas por 6 turmas e 150 alunos. Para cada hora de aulas preciso de pelo menos outra hora para a preparar. É que, como imaginarão, não vou às aulas sem saber o que vou lá fazer... Se mandar os meus 150 alunos fazer um trabalho de casa por semana e os corrigir em casa, precisarei de pelo menos 10 minutos para corrigir cada um: ou seja, corrijo 6 trabalhos por hora. Logo, numa semana passo 25 horas a corrigir trabalhos e/ou testes. Dando 20 horas de aulas por semana, MAIS 20 para as preparar, MAIS 25 para corrigir trabalhos, descubro que trabalho pelo menos 65 horas por semana, ainda que a Senhora Ministra me enfie pelos ouvidos que trabalhamos, nós, os privilegiados, apenas 35 h por semana.

Tenho rendimentos "obscenos". Como estou no índice 151, ou seja, em situação de pré-carreira, ganho (líquidos) 1000 €/mês, qualquer coisa como 250 €/semana. Como trabalho à volta de 65 horas por semana, isso significa que recebo do Estado qualquer coisa como 4 euros por hora.

Não tenho empregada doméstica porque elas ganham mais do que isso a cada hora que passa. Os meus colegas que fizeram uma licenciatura noutra área qualquer, que são tão licenciados quanto eu, gabam-se de ganhar pelo menos o dobro do que eu ganho. Fico feliz por eles, mas não é com isso que encho a barriga.

O meu automóvel tem 7 anos, é um Punto dos mais baratitos, e não tenciono mudar tão cedo porque não tenho dinheiro para comprar outro. E mesmo que o tivesse, não sei se estarei empregado daqui a 3 meses. Sou, portanto, um privilegiado.

A minha esposa também é professora. Residimos, enquanto contratados, no Porto. O problema é que no meu grupo disciplinar só é possível efectivar se for para o Alentejo durante dois anitos, depois para a Serra da Estrela, por fim Bragança, Vila Real, até chegarmos a Amarante, a apenas 50 km, altura em que me sentirei realizado: estarei perto de casa!!! Como não é possível irmos juntos nessa aventura, já combinámos: eu vou para o Alentejo; depois vai ela, quando eu estiver em Bragança; encontramo-nos a meio do país, no Entroncamento; dividimos os filhos a meias e, quando tivermos 50 anos (temos 30 e poucos nesta altura) voltaremos a ter vida conjugal. Só tenho algum receio de não me lembrar da cara dos meus filhos, se por acaso os encontrar em algum comboio intercidades...

Chego a esta conclusão: para quê dar o litro pelo ensino, se o ensino não me dá nada a mim? Não sou um missionário! Sou um profissional de educação e isso significa que também tenho barriga! Já me basta ter de aturar "colegas" que não me respeitam, criancinhas birrentas mal educadas pelos pais, Pais que nunca o deveriam ter sido pois não assumem as suas responsabilidades, edifícios degradados em que nem giz tenho para escrever no quadro…

E AINDA ME DIZEM QUE NÃO PENSO NOS INTERESSES DOS ALUNOS QUANDO AFIRMO QUE VOU FAZER GREVE???

Anónimo

4 comentários:

  1. mais um post que devia passar todos os dias na televisão em horário nobre.

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  2. Não resisti a postar isto aqui! Está… demais!…

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  3. Enjoyed a lot!
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  4. That's a great story. Waiting for more. » »

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