terça-feira, abril 28, 2009

O esplendor de Portugal

Para José Saramago, Portugal é um país onde, desde há muito, tem imperado a mania das grandezas.
A tineta vem de longe pois já D. João V, ao ser informado do exorbitante preço do carrilhão que iria ser instalado no Convento de Mafra, não conteve o seu novo-riquismo e encomendou dois. Mais recentemente, para a realização do Euro 2004, foram construídos oito novos estádios de futebol, a maioria dos quais para nada mais serve senão para estar às moscas, e actualmente, chegou-se à conclusão que o país, afinal, já tem nove auto-estradas a mais, num total de quase setecentos quilómetros.
Apesar disto, os governantes não parecem querer aprender com os erros e dão mostras de não desistir de levar por diante mais obras faraónicas que não só agravarão irreversivelmente a nossa dívida mas comprometerão seriamente o futuro das novas gerações. Em todos estes casos, alguém se enganou nas contas ou com elas nos enganou.
E o nosso Nobel da Literatura, com a sua lúcida ironia, conclui:
Onde as contas parece que batem certo é no número de pobres em Portugal. São dois milhões, segundo as últimas informações. Quer dizer, uma expressão mais da nossa histórica mania das grandezas…

domingo, abril 26, 2009

Mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma

Qualquer cidadão sabe que, com excepção das vacinas, nenhuma substância perigosa pode curar os males que causa. Ora, o que se decidiu em Londres [na reunião do G 20] foi garantir ao capital financeiro continuar a agir como tem agido nos últimos 30 anos, depois de se ter libertado dos controlos estritos a que antes estava sujeito. Ou seja, acumular lucros fabulosos nas épocas de prosperidade e contar, nas épocas de crise, com a generosidade dos contribuintes, desempregados, pensionistas roubados, famílias sem casa, garantida pelo Estado do Seu Bem Estar. Aqui reside a euforia de Wall Street. Nada disto é surpreendente se tivermos em mente que os verdadeiros artífices das soluções — os conselheiros económicos de Obama, Timothy Geithner e Larry Summers — são homens de Wall Street e que esta, ao longo das últimas décadas, financiou a classe política norte-americana em troca da substituição da regulamentação estatal por auto-regulação. Há mesmo quem fale de um golpe de Estado de Wall Street sobre Washington, cuja verdadeira dimensão se revela agora.

O contraste entre os objectivos da reunião de Bretton Woods, onde participaram não 20, mas 44 países, e a de Londres explica a vertiginosa rapidez desta última. Na primeira, o objectivo foi resolver as crises económicas que se arrastavam desde 1929 e criar uma arquitectura financeira robusta que permitisse ao capitalismo prosperar no meio de forte contestação social, a maior parte dela de orientação socialista. Ao contrário, em Londres, assistimos a reciclagem institucional, manter o actual modelo de concentração de riqueza, sem temor do protesto social, por se assumir que os cidadãos estão resignados perante a suposta falta de alternativa.

Excerto de "As grandes ilusões", de Boaventura Sousa Santos, in Visão

A maioria desencantada

Segundo uma sondagem Expresso, 77 % dos portugueses não se revêm nos partidos.
Partindo do pressuposto da reduzida margem de erro e da fiabilidade da sondagem, este resultado sugere-nos diversas hipóteses:
  • a abstenção nos próximos actos eleitorais pode vir a ser elevada o que, a verificar-se, pode significar o desencantamento com a democracia e o despertar do ancestral sentimento sebastianista de que os problemas do país se resolvem através de um salvador-da-pátria;
  • uma grande maioria de portugueses (influenciada pela leitura de Ensaio sobre a Lucidez, de José Saramago?), mantendo a crença nas virtudes da democracia, pode votar em branco, decidindo tão só castigar os actuais partidos pela sua inoperância política;
  • para muitos, a responsabilidade pela situação que vivemos é do actual sistema partidário, metendo no mesmo saco, injustamente, os partidos que apenas estiveram na oposição e aqueles que foram responsáveis pela governação;
  • os portugueses parecem não perceber/ admitir ser co-responsáveis pela situação a que chegaram, ao terem confiado há demasiados anos numa suposta alternância governativa que outra coisa não tem feito senão distribuir benesses e mordomias às respectivas clientelas ao mesmo tempo que tem vindo a adiar o desenvolvimento do país;
  • a maioria aparenta descrer na política — como se houvesse outra forma de solucionar os nossos problemas — raramente fazendo uso, na generalidade, dos direitos que a Lei lhes confere.
Veremos o que esta maioria desencantada irá fazer. Receio bem que nada de substancialmente muito diferente do que tem feito há quase 35 anos, ou seja, dar os seus votos ao centrão que, mais do que resolver os problemas dos portugueses, tem vindo a governar-se à custa deles.
É por estas e por outras que somos considerados um "povo de brandos costumes".

Tratados abaixo de cão

1. À saída da entrevista, se assim podemos chamar ao que não passou de um exercício de puro autoritarismo e descarada propaganda, o primeiro-ministro, ufano, garantiu a uma jornalista que não morde, ao que esta lhe respondeu, alto e bom som, "Não morde mas rosna. E às vezes rosna muito."
Por outro lado, quando escreveu "Cão como nós", Manuel Alegre referia-se ao cão da família, não a José Sócrates.
Por tudo isto, forçoso é concluir que nunca estaremos ao nível de um primeiro-ministro que trata a maioria dos portugueses abaixo de cão.

2. Um "cão problema...", portanto.
Caso para lhe dizermos, urgentemente:
"Sai depressa, ó cão, deste poema!" (Alexandre O'Neill)

sábado, abril 25, 2009

25 de Abril, já!

35 anos depois da Revolução de Abril, Portugal continua a ser o que sempre foi: um país economicamente pobre, socialmente injusto, politicamente adiado.
35 anos depois da Revolução de Abril, com 2 milhões de pobres, meio milhão de desempregados e as mais elevadas taxas de analfabetismo e de iliteracia, Portugal está onde sempre esteve: na cú da Europa.
35 anos depois da Revolução de Abril, com a corrupção a grassar como nunca se verificou, os vampiros continuam impunemente a chupar o sangue fresco da manada.

35 anos depois da Revolução de Abril, é (mais do que) tempo de dizer "basta!". (Outro) 25 de Abril, já! Desta vez, a sério
.

25 de Abril, sempre!

Murcharam a festa mas havemos de continuar!

quarta-feira, abril 15, 2009

Cantigas do Maio (10)

Xutos & Pontapés: ao fim de trinta anos, a rebeldia de sempre. Obrigado por nos darem voz!


SEM EIRA NEM BEIRA

(Xutos & Pontapés, 2009)

Letra - Tim; Música e Voz - Kalu




Anda tudo do avesso
Nesta rua que atravesso
Dão milhões a quem os tem
Aos outros um passou-bem

Não consigo perceber
Quem é que nos quer tramar
Enganar/Despedir
E ainda se ficam a rir
Eu quero acreditar
Que esta merda vai mudar
E espero vir a ter
Uma vida bem melhor

Mas se eu nada fizer
Isto nunca vai mudar
Conseguir/Encontrar
Mais força para lutar...

(Refrão)
Senhor engenheiro
Dê-me um pouco de atenção
Há dez anos que estou preso
Há trinta que sou ladrão
Não tenho eira nem beira
Mas ainda consigo ver
Quem anda na roubalheira
E quem me anda a comer

É difícil ser honesto
É difícil de engolir
Quem não tem nada vai preso
Quem tem muito fica a rir
Qinad espero ver alguém
Assumir que já andou
A roubar/A enganar
O povo que acreditou

Conseguir encontrar mais força
Para lutar
Mais força para lutar
Conseguir encontrar mais força
Para lutar
Mais força para lutar...

(Refrão)
Senhor engenheiro
Dê-me um pouco de atenção
Há dez anos que estou preso
Há trinta que sou ladrão
Não tenho eira nem beira
Mas ainda consigo ver
Quem anda na roubalheira
E quem me anda a foder

Há dez anos que estou preso
Há trinta que sou ladrão
Mas eu sou um homem honesto
Só errei na profissão

segunda-feira, abril 13, 2009

O regresso da polícia de costumes

Nos últimos tempos, a corrupção tem aumentado assustadoramente, o tráfico de influências progride com descarada impunidade e o enriquecimento ilícito parece não constituir uma preocupação para a maioria governamental. São problemas gravíssimos que, a não serem implacavelmente combatidos, jamais permitirão que o país venha algum dia a ser minimamente justo e desenvolvido e a sua resolução exige, por esse facto, uma vontade política e uma coragem que o actual governo, de modo algum, tem vindo a demonstrar, sobretudo quando se trata de enfrentar os interesses dos poderosos.
É, na verdade, mais fácil proibir o uso de saias curtas, decotes exagerados, gangas e perfumes agressivos, bem como de saltos altos e roupa interior escura às funcionárias de forma a, alegadamente, dar uma imagem de "qualidade" ao serviço público e contribuir para a modernização administrativa (parece-me que que apenas se esqueceram de impor novamente o uso das mangas de alpaca!).
A decência e a seriedade têm andado cada vez mais arredias da administração pública e da governação. É uma realidade.
Mas não é seguramente com operações de cosmética que tresandam a bafio que a administração pública e o país ganharão em transparência e modernidade.

Tudo depende de nós

Este comentário da amiga M.E. sugeriu-me o Elogio da Dialéctica, de Bertolt Brecht

A injustiça avança hoje a passo firme
Os tiranos fazem planos para dez mil anos
O poder apregoa: as coisas continuarão a ser como são
Nenhuma voz além da dos que mandam
E em todos os mercados proclama a exploração;
isto é apenas o meu começo
Mas entre os oprimidos muitos há que agora dizem
Aquilo que nós queremos nunca mais o alcançaremos
Quem ainda está vivo não diga: nunca
O que é seguro não é seguro
As coisas não continuarão a ser como são
Depois de falarem os dominantes
Falarão os dominados
Quem pois ousa dizer: nunca
De quem depende que a opressão prossiga? De nós
De quem depende que ela acabe? Também de nós
O que é esmagado que se levante!
O que está perdido, lute!
O que sabe ao que se chegou, que há aí que o retenha
E nunca será: ainda hoje
Porque os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã.

domingo, abril 12, 2009

O P"S" terá telhas de vidro?…

Abordando o problema da corrupção, no JN, Manuel António Pina pergunta "De que tem medo o PS" e prossegue interrogando-se por que razão uma "torrente de palavras e declarações de intenção […] nunca se traduz em actos" para combater o flagelo.
Ora, primeiro, o partido do governo começou por aprovar um Código Penal demasiado brando com os crimes de colarinho branco. Depois, tem vindo a marginalizar e a afastar os seus elementos mais inconformados com o regabofe. E, finalmente, quando toda a oposição apresenta iniciativas e propostas legislativas para criminalizar o enriquecimento ilícito, o PS é o único a discordar e a inviabilizar a sua apreciação pelo Tribunal Constitucional.
Finalizando com a pergunta de AMP, afinal, "de que tem medo o PS"? Provavelmente, das suas imensas e frágeis telhas de vidro…

quarta-feira, abril 08, 2009

Perguntas

Porque é que o cidadão José Sócrates ainda não foi constituído arguido no processo Freeport? Porque é que Charles Smith e Manuel Pedro foram constituídos arguidos e José Sócrates não foi? Como é que, estando o epicentro de todo o caso situado num despacho de aprovação exarado no Ministério de Sócrates, ainda ninguém desse Ministério foi constituído arguido? Como é que, havendo suspeitas de irregularidades num Ministério tutelado por José Sócrates, ele não está sequer a ser objecto de investigação? Com que fundamento é que o procurador-geral da República passa atestados públicos de inocência ao primeiro-ministro? Como é que pode garantir essa inocência se o primeiro-ministro não foi nem está a ser investigado? Como é possível não ser necessário investigar José Sócrates se as dúvidas se centram em áreas da sua responsabilidade directa? Como é possível não o investigar face a todos os indícios já conhecidos? Que pressões estão a ser feitas sobre os magistrados do Ministério Público que trabalham no caso Freeport? A quem é que o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público se está a referir? Se, como dizem, o estatuto de arguido protege quem o recebe, porque é José Sócrates não é objecto dessa protecção institucional? Será que face ao conjunto de elementos insofismáveis e já públicos qualquer outro cidadão não teria já sido constituído arguido? Haverá duas justiças? Será que qualquer outro cidadão não estaria já a ser investigado? Como é que as embaixadas em Lisboa estarão a informar os seus governos sobre o caso Freeport? O que é que dirão do primeiro-ministro de Portugal? O que é que dirão da justiça em Portugal? O que é que estarão a dizer de Portugal? Que efeito estará tudo isto a ter na respeitabilidade do país? Que efeitos terá um Primeiro-ministro na situação de José Sócrates no rating de confiança financeira da República Portuguesa? Quantos pontos a mais de juros é que nos estão a cobrar devido à desconfiança que isto inspira lá fora? E cá dentro também? Que efeitos terá um caso como o Freeport na auto-estima dos portugueses? Quanto é que nos vai custar o caso Freeport? Será que havia ambiente para serem trocados favores por dinheiros no Ministério que José Sócrates tutelou? Se não havia, porque é que José Sócrates, como a lei o prevê, não se constitui assistente no processo Freeport para, com o seu conhecimento único dos factos, ajudar o Ministério Público a levar a investigação a bom termo? Como é que a TVI conseguiu a gravação da conversa sobre o Freeport? Quem é que no Reino Unido está tão ultrajado e zangado com Sócrates para a divulgar? E em Portugal, porque é que a Procuradoria-Geral da República ignorou a gravação quando lhe foi apresentada? E o que é que vai fazer agora que o registo é público? Porque é que o presidente da República não se pronuncia sobre isto? Nem convoca o Conselho de Estado? Como é que, a meio de um processo de investigação jornalística, a ERC se atreve a admoestar a informação da TVI anunciando que a tem sob olho? Será que José Sócrates entendeu que a imensa vaia que levou no CCB na sexta à noite não foi só por ter feito atrasar meia hora o início da ópera?


Tantas perguntas e… tanto silêncio. Que é feito da democracia em Portugal?

sexta-feira, abril 03, 2009

A latrina imunda

Escrevo aqui e agora sobre Pinto da Costa, não porque o futebol me interesse, particularmente, como tema de discussão. Vejo um ou outro jogo, como sou capaz de ir ao circo. E isso me basta.

O eterno presidente do Futebol Clube do Porto vem aqui à colação porque o Tribunal de Gaia absolveu-o das acusações que sobre ele impendiam no âmbito do processo "Apito Dourado" — afinal, o árbitro Augusto Duarte, foi a casa de PC apenas tomar um cálice de porto. Se alguma coisa mais houve, para a meritíssima juíza não ficou provado.
Como não se irá, seguramente, provar que José Sócrates terá tido a ver com a corrupção associada ao estranho licenciamento do Freeport, por mais suspeitas que sobre ele recaiam. De resto, para tal seria necessário que ele fosse constituído arguido, o que duvido que alguma vez venha a acontecer.
Como não foi provado nenhum dos vinte e três crimes de que foi acusado o deputado Paulo Pedroso, no âmbito do processo Casa Pia, que apesar de ter estado em prisão preventiva, acabou por sair em liberdade sem sequer ser julgado.
E, estranhamente, só há um arguido na gigantesca fraude do BPN. Convenhamos que foi demasiada vigarice para uma pessoa apenas, mesmo tratando-se do ex-presidente do Conselho de Administração do Banco.
E não podemos deixar de recordar os julgamentos exemplares de Valentim Loureiro, Fátima Felgueiras e Avelino Ferreira Torres.
Bem, fico-me por aqui, que estou a ficar nauseado. Foda-se, este país é uma latrina imunda!

quarta-feira, abril 01, 2009

Guantánamo é… relaxante

Miss Universo, a venezuelana Dayana Mendoza, foi a Guantánamo levantar o moral das tropas americanas e achou que "foi muuuito divertido”.
As misses, geralmente, não primam por um elevado QI mas convenhamos que a jovem Dayana não precisava de exagerar na estupidez.
Até parece que Barack Obama não deveria encerrar um presídio que é uma vergonha para os direitos humanos só porque uma refinada idiota acha que é um local tão "relaxante, calmo e lindo"!…

É preciso lavar a democracia

Em Portugal, há um défice congénito de separação entre o Estado e os grupos económicos, verificando-se, de há muito, uma evidente promiscuidade e uma efectiva falta de transparência no seu relacionamento.
Foi assim no tempo de Salazar, que metia homens da sua confiança nos conselhos de administração das grandes empresas da época.
Já Marcelo Caetano, optou por, inversamente, recrutar tecnocratas nas grandes empresas para integrarem os seus governos.
Actualmente, os partidos da "governança" e, em particular, o P"S", têm aproveitado a sua passagem pelo poder, não tanto para desenvolver o país e resolver os seus graves problemas, mas sobretudo, para colocar os seus mais destacados militantes na direcção das maiores empresas privadas.

A democracia nunca esteve tão suja e necessitada de uma enorme barrela.

A névoa cerrada da corrupção

Em 2005, o Banco Mundial asseverava que, não fora a corrupção que existe no nosso país e Portugal poderia atingir o nível de desenvolvimento da Finlândia.
A verdade é que, segundo dados da Transparency Internacional já aqui citados, de 2004 para 2008, Portugal tem-se tornado um país cada vez mais infectado por aquele flagelo, fenómeno a que certamente não serão alheios, por um lado, a falta de vontade política do actual poder para o combater de forma consequente e, por outro, os exemplos de duvidosa seriedade e de questionável transparência dados por alguns responsáveis políticos, entre os quais o próprio primeiro-ministro.
Não espanta, por isso, que o P"S", instado pelo Bloco de Esquerda a pronunciar-se sobre a nomeação do empresário Domingos Névoa, condenado por corrupção no caso Bragaparques, para presidir à empresa intermunicipal de recolha e tratamento de lixos dos concelhos "socialistas" de Braga, Póvoa de Lanhoso, Amares, Vila Verde, Terras de Bouro e Vieira do Minho, tenha mantido o mais completo mutismo.

É caso para concluir que, sob a cerrada névoa da corrupção que paira sobre o nosso país, há cada vez mais negociatas mal cheirosas.