Baptista Bastos
"A presença de Cavaco na TVI foi suficiente para assinalarmos nele um homem inseguro, cheio de fragilidades, temente talvez a Deus mas mais, muito mais, ao debate com os homens. Foi uma linguagem redonda e melancólica na qual, por vezes, aflorava a irritação e o desconforto. Nada de nada. E a obstinação dele, em afirmar a sua «independência», longe dos partidos, e, propositadamente, de característica «nacional», constituiu impressionante manifestação de hipocrisia. Assim como a imposição da ideia de que, com ele em Belém, o Governo seria outro, porventura melhor. Pequenos truques de efeitos perversos. O candidato sabe que a Constituição impõe limites à acção do Presidente; e, a não ser que provoque um golpe de Estado constitucional, nada poderá fazer que contrarie as disposições da Carta."
"(...) Cavaco mete medo, mas Cavaco tem medo. Medo das palavras, medo das interpelações, medo das perguntas, medo do debate, medo do diálogo, medo das multidões, medo das mudanças. Sobretudo medo daqueles que podem comprovar as suas medíocres qualidades para desempenhar um cargo com tradições humanísticas, intelectuais, filosóficas e culturais. Ele é o mesmo de sempre. Nunca deixou de o ser, nunca se converteu num outro."
GRANDE ENTREVISTA DE CAVACO SILVA A KATIA REBARBADO D'ABREU (2ª Parte) "A morte afectiva e política do Paizinho"
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C.S. -- Minha senhora, a História pode ter todas as interpretações que lhe quiser dar. O máximo que lhe posso dizer, dez anos passados, é que a minha não coincide com a sua...
K.R.A. -- De facto, não coincidem, a minha leitura do Levantamento da Ponte é a do fim de um contrato afectivo que nunca mais se reescreveu entre si e o Povo Português. De algum modo, há mesmo quem compare os acontecimentos da Ponte ao trágico 1905, em que, em São Petersburgo, o Czar Nicolau II mandou disparar sobre as massas que se manifestavam, debaixo da sua janela, gritando-lhe que tinham fome. Diz a História que Nicolau mandou disparar, porque teve medo das multidões, que nem sequer eram agressivas. Cerca de 12 anos depois, a Revolução Russa veio-lhe, tragicamente, revelar que havia sido, nesse mesmo dia, que se tinha irremediavelmente quebrado o pacto de paternalidade existente entre o Czar e o seu povo...
C.S. -- ... sim, parece-me já ter ouvido falar disso... (tosse. Agarra no copo de água e bebe).
K.R.A. – Agora, muito directamente, e regressando à actualidade, suponha que o Professor é o próximo ocupante do Palácio de Belém...
C.S. -- ... como espero ser...
K.R.A. -- ... que, como espera, seja o próximo ocupante do Palácio de Belém, e que, como aconteceu no Verão de 2004, com o anúncio da escolha de Durão Barroso para Presidente da Comissão Europeia, uma grande multidão se reúne diante do Palácio para o pressionar a tomar uma atitude musculada, no caso vertente, uma dissolução da Assembleia da República. Seria capaz, sentindo-se ameaçado, como o Czar, de 1905, ou o Professor Cavaco Silva, Primeiro-Ministro de 1994, de, de novo, recorrer ao uso de disparos de armas de fogo?...
C.S. -- Está-me a perguntar como reagiria eu, perante uma manifestação que, como se sabe, foi convocada por pequenos grupos de Esquerda, para forçar, em 2004, o Presidente Jorge Sampaio a dissolver a Assembleia Nacional?...
K.R.A. -- ... a Assembleia da República...
C.S. -- ... isso... Bom, na minha pergunta, já está, de certa maneira, contida a resposta: tratou-se de uma agitação pontual, provocada por grupos esquerdistas, pouco representativos da sociedade portuguesa... Não, minha senhora, não... nada disso teria a ver com as tais circunstâncias especiais ligadas ao futuro do País. A minha atitude seria a mesma.
K.R.A. -- Que mesma?... A do Presidente Sampaio, de 2004, ou a do Primeiro-Ministro de Portugal, dos Anos 90, que disparou mesmo sobre a multidão?...
C.S. -- Minha senhora... não fui eu que dei qualquer instrução nesse sentido. A manutenção da Ordem Pública encontrava-se a cargo do Dr. Dias Loureiro, por minha escolha, então, Ministro da Administração Interna, e só lhe posso acrescentar que, creio, ele terá desempenhado exemplarmente o seu papel, nessas circunstâncias críticas. Aliás, como sabe, ele integra, hoje, a vasta Comissão de Honra que suporta a minha candidatura presidencial.
K.R.A. -- Quer dizer que, em circunstâncias excepcionais, de mobilização de massas, continuaria a não ter medo, e nunca voltaria a recorrer à violência?...
C.S. -- Não estou a ver a que circunstâncias se possa estar a referir...
K.R.A. -- Factos consequentes de agitações grevistas, de tumultos resultantes do crescimento descontrolado do Desemprego, da desagregação do tecido social, por exemplo, ou, mais ainda, de factos como os recentemente ocorridos em França, por exemplo...
C.S. – Não… não… não, minha senhora, aliás essas ordens de... como a senhora diz… "disparar", são da estrita competência do Governo, e eu estou a candidatar-me a Primeir..., perdão, a Presidente da República, não a Primeiro-Ministro de Portugal!...
K.R.A. -- Quer isso dizer que o Professor continua a ser um homem que nunca tem medo e que raramente se assusta?...
C.S. -- (risos) ... excepto, claro está, em circunstâncias excepcionais (risos).
K.R.A. –- Portanto, os Portugueses devem sentir-se serenados, por saberem que continuam a ter perante si um homem de convicções, e há mesmo quem diga que, como homem de convicções, o professor nunca se recompôs verdadeiramente da sua derrota perante Jorge Sampaio, ou seja, de que já era sua convicção de que quem então se enganou, em 1995, foi o Povo, e não o Professor, e de que este inesperado regresso, em 2005, não passa, afinal, de uma tentativa de um velho ajuste de contas, ou, na postura a que tantas vezes nos habitou, de uma nova oportunidade académica de dar uma "lição", visivelmente agastada, a um público eventualmente muito mais vasto e amadurecido.
C.S. -- ... não... nada disso... Aliás, julgo já ter deixado claro e evidente, por diversas vezes, que não me candidato contra ninguém. Pelo contrário, eu candidato-me para ajudar o país a vencer as inúmeras dificuldades em que hoje está mergulhado, e para o orientar na construção de um futuro melhor. O meu compromisso é exclusivamente com Portugal, e com o bem dos Portugueses, de todos os Portugueses. Eu sei que Portugal pode vencer.
K.R.A. -- Mas a realidade é que a sua reaparição no palco político, na óptica de muitos comentadores, se limitou a um ressuscitar de velhos fantasmas, e há mesmo vozes, na Opinião Pública, que incessantemente repetem que o senhor é apenas a face visível de forças muito mais sombrias, que nunca se conformaram com a existência, em Portugal, de um sistema democrático, e que agora encontram a altura e o candidato ideais para se manifestarem...
C.S. -- (risos) devo depreender, pelas suas palavras que sugere que a minha candidatura poderia ser a face sorridente de uma ascensão da extrema-direita, tal como tem vindo a ocorrer em diversos países europeus… (risos)
K.R.A. -- (risos) ... de modo algum…, aliás, suponho que o "le-penismo" esteja circunscrito ao hexágono francês...
C.S. -- Minha senhora, a senhora conhece-me...
K.R.A. -- Sim, claro que sim, conheço-o eu e conhecem-no mais dez milhões de Portugueses, se considerarmos todos os nascidos depois de 1985, e esse é, justamente, um dos problemas da sua candidatura: os Portugueses o conhecerem bem de mais… Mas, voltando à actualidade, não acha que 2005 seria a ocasião mais adequada para deixar espaço para que, de todos os quadrantes políticos, houvesse oportunidade para que avançassem candidatos bem mais jovens?...
C.S. -- Bom, espero que a senhora não me esteja a chamar de velho... (risos)
K.R.A. -- (risos)... Não, obviamente que não: num país que reequacionou a idade da reforma para os 65 anos, e que, como todos os estudos apontam, a irá ainda fazer subir, durante a presente maioria absoluta e o próximo mandato presidencial, para os 68, ou mesmo 70, o professor, é, obviamente, ainda um jovem, assim como o doutor Alegre é um inconsciente"teenager", consumidor de álcool, e o doutor Mário Soares, um Don Juan, de 30 anos. Mas não é sobre isso que eu me queria pronunciar. Não acha que o cenário das Presidenciais de 2006, pela ordem natural das coisas, devia ter apresentado, ao lado de Jerónimo de Sousa e de Francisco Louçã, nomes como os de Guterres, Santana Lopes e Paulo Portas?...
C.S. -- (silêncio) Minha senhora, recentemente, já tive oportunidade de me pronunciar sobre a "má moeda". Espero que não me obrigue, agora, a pronunciar-me aqui, para além da má moeda, também, sobre a péssima moeda...
K.R.A. -- Essa sua célebre análise sobre a "boa e a má moeda" seria, hoje, obviamente, extensível ao Eng. Sócrates e ao seu governo. De que lado situaria então o Eng. Sócrates: do lado da boa, ou da má moeda?
C.S. -- (silêncio) Minha senhora, recentemente, tive oportunidade de me pronunciar sobre esse assunto, e volto aqui a repetir-lhe o que já disse a um dos seus colegas da Comunicação Social: ainda é muito cedo para avaliar a acção do governo do Eng. Sócrates.
K.R.A. -- Qual, então, o tempo ideal para essa pronuncia?...
C.S. -- A seu tempo, a senhora, assim como todos os Portugueses, o saberão...
K.R.A. -- Há já quem avance com o momento desse pronunciamento para o dia seguinte ao da sua eventual tomada de posse como Presidente da República... Ou estará, porventura, à espera do fim da Legislatura para avaliar o desempenho do Governo P.S.?
C.S. -- Repito-lhe: a seu tempo, a senhora, assim como todos os Portugueses, saberão o que eu penso, e irei fazer, relativamente a esse assunto...
(Continua)
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