Qualquer cidadão sabe que, com excepção das vacinas, nenhuma substância perigosa pode curar os males que causa. Ora, o que se decidiu em Londres [na reunião do G 20] foi garantir ao capital financeiro continuar a agir como tem agido nos últimos 30 anos, depois de se ter libertado dos controlos estritos a que antes estava sujeito. Ou seja, acumular lucros fabulosos nas épocas de prosperidade e contar, nas épocas de crise, com a generosidade dos contribuintes, desempregados, pensionistas roubados, famílias sem casa, garantida pelo Estado do Seu Bem Estar. Aqui reside a euforia de Wall Street. Nada disto é surpreendente se tivermos em mente que os verdadeiros artífices das soluções — os conselheiros económicos de Obama, Timothy Geithner e Larry Summers — são homens de Wall Street e que esta, ao longo das últimas décadas, financiou a classe política norte-americana em troca da substituição da regulamentação estatal por auto-regulação. Há mesmo quem fale de um golpe de Estado de Wall Street sobre Washington, cuja verdadeira dimensão se revela agora.
O contraste entre os objectivos da reunião de Bretton Woods, onde participaram não 20, mas 44 países, e a de Londres explica a vertiginosa rapidez desta última. Na primeira, o objectivo foi resolver as crises económicas que se arrastavam desde 1929 e criar uma arquitectura financeira robusta que permitisse ao capitalismo prosperar no meio de forte contestação social, a maior parte dela de orientação socialista. Ao contrário, em Londres, assistimos a reciclagem institucional, manter o actual modelo de concentração de riqueza, sem temor do protesto social, por se assumir que os cidadãos estão resignados perante a suposta falta de alternativa.
Excerto de "As grandes ilusões", de Boaventura Sousa Santos, in Visão
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