segunda-feira, janeiro 02, 2006

O professor que "gostava" de ser de Esquerda!

O senhor Professor César das Neves descobriu que afinal sofre de um grave complexo: “desabafa” que gostava de ser de Esquerda, desfazendo-se em elogios aos “dignos e elevados” objectivos desta, mas acaba por confessar aquilo que nós, de Esquerda, já sabíamos: que o senhor professor não é de Esquerda, por razões que, do alto da sua cátedra, e às vezes de forma ruidosa — como se o falar alto lhe desse mais razão — imputa à Esquerda.
E isso, porque discorda dos meios que a Esquerda emprega para atingir aqueles objectivos, o que, no seu douto entender, origina “cinco grandes contradições”.

1. A primeira tem a ver com o pretenso “dogmatismo” da Esquerda e a sua prisão a “conceitos abstractos e modelos arcaicos”. Mas, já que o senhor professor aprecia o pragmatismo, diga-nos lá a que governos e políticas se devem os cerca de 2 milhões de pobres, os mais de 500 mil desempregados, a mais injusta repartição do rendimento nacional e o mais baixo crescimento económico da União Europeia que se verificam neste desgraçado pais? Não me vai dizer que é a governos de Esquerda e muito menos a políticas de Esquerda, ou vai? E uma vez que parecem ser a justiça social e a dignidade humana — que o senhor professor, ironicamente, designa de "direitos adquiridos" e "conquistas inalienáveis" — os empecilhos à competitividade, que tal recorrer ao “modelo chinês”, acabando de vez com quaisquer direitos sociais e sindicais, aumentando o horário de trabalho até aos limites da capacidade humana e reduzindo os salários ao mínimo de subsistência? É que, segundo a doutrina neo-liberal que vossa excelência defende e a sujeição plena à sacrossanta lei da selva, perdão, do mercado, de outra forma não iremos lá!…

2. “Na análise económica”, então, o senhor professor, académico tão conceituado, abusa de “chavões” “esmagadores”, acusando a “intervenção do Estado, toda paga com impostos dos trabalhadores”, de ter “criado e mantido enormes desperdícios e abusos.” No que até estamos de acordo, sobretudo no que se refere aos altos honorários, reformas e mordomias dos gestores das empresas públicas e dos comissários políticos dos sucessivos governos da “alternância” da política de direita.
Uma política verdadeira e consequentemente social-democrata (ou socialista, se quiser), empenhada na criação de riqueza, mas sem nunca esquecer a sua justa repartição, empenhada não no crescimento económico sem regras nem princípios mas sobretudo no desenvolvimento sustentado e acessível a todos, é possível! O Estado-providência é possível, é desejável, existe senhor professor! Veja o exemplo da Noruega: de há cinco anos a esta parte o pais mais desenvolvido do planeta. A Islândia, o segundo! A Suécia, o sexto!
Mas o senhor professor sabe (tão bem ou melhor do que este humilde “comentador”, que os EUA, paradigma do modelo neo-liberal que o senhor tanto aprecia, têm de contentar-se com o 10.º lugar, apesar da sua economia registar um apreciável crescimento que não chega para evitar défices monstruosos quer da balança comercial, quer do orçamento. E já agora a China — e por favor não me venha dizer que “aquilo” é Esquerda! — com o seu ultra-liberalismo-vale-tudo, apesar de “ameaçar” ser a primeira potência económica do séc. XXI, no seu 85.º lugar, está muito longe de ser — e por este caminho acho que nunca será — um pais desenvolvido e socialmente justo. E muito menos democrático.

3. A Esquerda é internacionalista e não é por referir a experiência mal sucedida do “socialismo num só país" de Estaline (que derrotou a tese da “revolução permanente” de Trotsky) ou os equívocos da Revolução Cultural maoista, que vai provar o contrário. De resto, lamento dizer que o senhor mente — o que não é bonito — quando afirma que a Esquerda “virou proteccionista numa luta míope e retrógrada contra a globalização”. A Esquerda defende é outro conceito de globalização, que não exclua os países do 3.º Mundo das vantagens do comércio internacional e do desenvolvimento, como o Fórum Social Mundial tem vindo a demonstrar. Claro que o senhor defende uma “globalização” sem regras porque acha que os consumidores assim terão produtos mais baratos. Esquece é que, no limite, sem empresas, sem postos de trabalho, sem salários, as famílias consomem o quê?

4. Na alegada luta da Esquerda contra a família, aqui é que — perdoe-me a frontalidade — revela a sua tacanhez de espírito. Vejamos.
Legalização do aborto, quando se é rica o suficiente, para se ir comodamente a Barcelona ou a Londres fazê-lo nas melhores condições clínicas e sem ser incriminada, para quê? A imensa maioria das mulheres, que não tem meios para recorrer a esse “luxo”, pois que se desenrasque e vá parar à barra do tribunal…
A eutanásia é apenas uma questão muito triste. Triste demais para se falar dela em duas palavras. Em todo o caso lembro-lhe apenas que nem todos somos crentes em Deus e por isso, pondo de lado a Religião e a Moral, cada um é dono do seu destino.
Quanto à prostituição já aqui disse o que penso: é preferível legislar, regulamentar, proteger, educar, em vez de assobiar para o lado e deixar que as coisas aconteçam por aí em qualquer lado e de qualquer forma.
E quanto aos casais de homossexuais, só temos certeza de uma coisa: não podem gerar filhos, tem toda a razão, mas não me venha dizer que, adoptando-os, não podem educá-los tão bem ou melhor que os casais heterossexuais e constituir famílias tão ou mais felizes. É tudo uma questão de amor, percebe senhor professor?

5. Para reforçar a sua tese podia ter acrescentado a célebre frase de Marx “a religião é o ópio do povo” mas, toldado por uma “irritação espúria” contra a Esquerda, esqueceu-a, provavelmente admitindo que nela haverá um fundo de verdade, se, como interpreto — e é legítimo fazê-lo — Marx se estava a referir à hierarquia da Igreja, que, como a História comprova, quase sempre esteve do lado dos mais fortes. O Papa João XXIII (o papa socialista) é a excepção à regra. E bispos “de Esquerda”, em Portugal, lembro-me apenas de D. António Ferreira Gomes e D. Manuel Martins, no Brasil, D. Hélder Câmara, e em El Salvador, D. Óscar Romero, exemplo na luta em defesa dos direitos humanos, assassinado com um tiro no peito, durante uma celebração eucarística, por um esquadrão da morte ultradireitista e que viria a perder o direito de canonização de Roma para Escrivá Balaguer, fundador da Opus Dei, uma organização secreta à Igreja Católica, de ultradireita.
Isto demonstra o quê? Que alem da instituição “Igreja” há também outra igreja que luta pelos pobres, defende os pobres, morre, se for preciso, pelos pobres.

Senhor professor César das Neves, não proclame a Esquerda e os seus valores de forma adúltera e leviana.
E sobretudo, como académico e articulista que, seguramente, é pago — e provavelmente bem — para escrever, faça-o com a devida fundamentação e evite as frases feitas. A bem da seriedade intelectual. Ainda que o senhor não seja de Esquerda!

1 comentário:

  1. Enquanto insistir-mos na velha e gasta discussão retórica sobre a direita ou esquerda, e qual dos modelos se revela mais adequado para o desenvolvimento de uma sociedade, em minha opinião, não estamos a contribuir para melhorar o estado de coisas em que estamos, bem pelo contrário, vamos aprofundar ainda mais as "raivas" e atritos entre os defensores de cada modelo.
    Como dizia Gonzalez numa entrevista que deu na televisão aquando da realização de um debate em Évora sobre Democracia, o problema da direita é que se concentra demais na criação de rqiueza, enquanto que a esquerda se concentra apenas na distribuição da riqueza. A solução não passa simplesmente pela adoção ou não de determinado sistema ou modelo político aceitável hoje em dia numa democracia. Peguem no modelo nórdico e aplique-no cá em Portugal. Não funciona, não temos o rigor, a cultura e a educação para o sustentar, apenas o desenrascanço. Coloquem a modelo chinês cá em Portugal. Não funciona, porque somos demasiados preguiçosos, enquanto eles têm uma cultura de trabalho, de viver para o trabalho. São ambas questões culturais enraízadas na cultura dos povos, e que não se adaptam por simples transposição.
    Então o que se pode fazer, pergunta-se.
    1º - Erradicar com a classe política que nos tem governado até aos dias de hoje de uma forma imcompetente, e mudar o modelo de execução governamental.
    2º - Educação acima de tudo. Os futuros empreendedores e empresários precisam de qualificação para substituir a desqualificada classe corrente. Questionar os modelos de aprendizagem actuais, e averiguar a real sua adequação aos dias de hoje.
    3º - Premiar quem está constantemente disposto a aprender por iniciativa própria. Não podemos estar à espera de formação empacotada vendida às prestações. Enraízar uma cultura de valorização para quem mais se esforça pelo trabalho que realiza e de apoio e motivação aos restantes, porque todos somos naturalemnte diferentes.
    4º - Criar uma dinâmica de maior criação de oportunidades de emprego, mais do que um proteccionismo dos empregos actuais.
    5º - Esforço de internacionalização do nosso tecido empresarial PME através de uma forte componente de marca e valor acrescentado nos nossos sectores chave: vinho, cortiça, algumas TI, entre outros, através de parcerias.

    Nós temos de orientar os nossos esforços para o caminho correcto, em vez de andar sistematicamente a combater os problemas. Dêem-lhe uma cana para pescar em vez do peixe. Orientem o curso de àgua em vez de lhe colocarem barreiras. Aproveitem a força do adversário para lhe dar uma resposta.

    Humberto Neves

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