quinta-feira, janeiro 20, 2011

Cavaco, memórias de um desastre

Nos seus dez anos de Primeiro-ministro, a governar com maioria absoluta e com condições excepcionais de que nenhum outro governante dispôs (fundos comunitários às catadupas, dólar e petróleo baratos, receitas extraordinárias da venda das empresas públicas), o melhor que Cavaco fez foi asfaltar o país de norte a sul destruindo mais de 800 quilómetros de via férrea, dar rédea solta ao negócio do betão, ao patobravismo e às negociatas ruinosas das parcerias público-privadas (de que é exemplo a Lusoponte) que ainda vamos ter de pagar por muitos anos, destruir a agricultura e as pescas (apesar de ter criado um ministério do mar!), ao mesmo tempo que mandou dar porrada nos trabalhadores, nos estudantes e nos utentes da Ponte 25 de Abril (em consequência das balas da polícia um jovem ficou paraplégico, lembram-se?) e foi ainda politicamente responsável pela contaminação de dezenas de doentes hemofílicos com lotes de sangue infectado, alguns dos quais vieram a falecer com HIV.

Como Presidente da República, Cavaco cooperou estrategicamente com a desastrosa governação de José Sócrates, tendo promulgado todos os decretos e orçamentos e apoiado particularmente o famigerado orçamento de 2011, que agrava brutalmente as condições de vida dos portugueses com o aumento dos impostos, os cortes dos salários, a redução ou extinção de subsídios, e destrói a economia levando à diminuição do investimento, ao aumento das falências e ao agravamento do desemprego. Confrontado com as mais diversas questões e problemas, o actual PR lava habitualmente as mãos adoptando um silêncio esfíngico ou o repetitivo "não comento". O Presidente Cavaco, mais que não seja por omissão, é co-responsável pela calamidade económica e social a que o país foi conduzido.

A ideologia e as convicções democráticas de Cavaco, se realmente o são, deixam também muito a desejar, como o atestam a sua declaração de integração no regime salazarista, à PIDE, em 1965, e mais grave ainda, como Primeiro-ministro, a recusa em atribuir uma pensão "por serviços excepcionais e relevantes" ao capitão de Abril, Salgueiro Maia, em 1989, ao mesmo tempo que, três anos depois, a concedeu a dois inspectores da extinta PIDE/DGS, um dos quais envolvido no tiroteio da rua António Maria Cardoso que causou os únicos quatro mortos da Revolução de Abril.

Cavaco revela ainda uma falta de cultura e de sensibilidade cultural gritantes. Dois exemplos, apenas: o professor, que nunca se engana e raramente tem dúvidas, não sabia quantos cantos tem "Os Lusíadas", o poema épico de Camões, símbolo maior de Portugal; e depois de em 1992, ter cortado o romance de José Saramago Evangelho segundo Jesus Cristo  da lista dos concorrentes ao Prémio Literário Europeu, em 2010, optou por continuar de férias nos Açores em vez de, como lhe competia enquanto Chefe de Estado, estar presente no funeral do nosso Prémio Nobel da Literatura.

Mas, para além de tudo isto, que não é pouco, Cavaco está longe de ser o exemplo de seriedade e isenção que desde sempre pretendeu alardear, como os negócios obscuros  e de legalidade duvidosa das acções da SLN e da vivenda de luxo da Aldeia da Coelha deixaram perceber.

Cavaco é um mito, um embuste, um desastre! O que levou este povo a fazer dele o político com mais anos de poder do regime democrático (mesmo que passe o tempo a atirar-nos poeira aos olhos repetindo que não é um político)? O que pode levar os portugueses ao suicídio colectivo reelegendo-o para a Presidência da República? Ignorância? Estupidez? Medo? Ou interesse? Estas são as perguntas que continuam por esclarecer. Talvez a história um dia o faça. Ou não.

1 comentário:

  1. Foram muitos anos a deixar que "pensassem" por nós; muitos ainda "gostam" que assim seja....
    Na hora das decisões, mais do que a razão e a memória, conta o "santinho" ao peito...

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