O que vamos, portanto, ser chamados a decidir é se o aborto realizado dentro daquelas condições deve ser despenalizado ou se, pelo contrário, deve continuar a ser considerado um crime, como é hoje, sujeito a uma pena de prisão até 3 anos. Não se trata, na verdade, de saber a posição de cada um sobre o aborto que, acredito, ninguém aplaude nem deseja, mesmo quando por circunstâncias da vida, que nunca são certamente fáceis, uma mulher a ele se vê obrigada a recorrer.
Os defensores do Não à despenalização afirmam não pretender que as mulheres que abortam sejam punidas, mas caiem numa irremediável contradição porque, se a actual lei se mantiver, elas continuarão a ser perseguidas, julgadas, punidas, numa palavra, humilhadas. Só é possível deixar de punir quem aborta através da despenalização do aborto, e é isso que o Sim oferece.
Por outro lado, a despenalização do aborto obrigatoriamente realizado “em estabelecimento de saúde legalmente autorizado” é a única forma de pôr cobro à chaga social do aborto clandestino. Mesmo que, de imediato, a sua frequência possa não diminuir, o aborto legal passará a ser feito em segurança, sem pôr em risco a saúde e a vida da mulher, além de permitir decisões mais ponderadas e reflectidas, através de aconselhamento médico e psicológico. Portanto, se o Sim vencer, é um grave problema de saúde pública que poderá ser solucionado ou, pelo menos, muito atenuado. Já a vitória do Não significará a continuação de um drama que, infelizmente, acaba muitas vezes em tragédia.
Quanto ao limite de tempo para a realização de aborto em condições legais, proposto a referendo, 10 semanas é um valor perfeitamente moderado, ficando de resto aquém daquele que é adoptado na grande maioria dos países europeus, que é de 12 semanas. Em todo o caso, trata-se de um período suficiente para que a mulher se dê conta da sua gravidez e possa reflectir sobre a sua eventual interrupção.
Além disso, durante este período, o desenvolvimento do feto é ainda muito incipiente, faltando designadamente o sistema nervoso e o cérebro, pelo que não faz sentido falar-se num ser humano, muito menos numa pessoa. Ainda que a vida intra-uterina mereça respeito e protecção, antes das 10 semanas é, no entanto, insustentável que os direitos do feto prevaleçam ou se equiparem aos direitos e liberdade da mulher. Só as pessoas são titulares de direitos fundamentais.
Por outro lado, a despenalização do aborto nos termos propostos não viola o direito à vida garantido na Constituição, como voltou a decidir o Tribunal Constitucional, na fiscalização preventiva do referendo.
O Não, sob o argumento falacioso da defesa da vida, pretende sobrepor os direitos do feto (num estádio ainda embrionário) aos direitos da pessoa. Se vencer, abortar em qualquer altura continuará a ser crime. O Sim, respeitando a vida, em caso de decisão séria — e acredito que a decisão de abortar é sempre demasiado séria e traumática — aceita a prevalência dos direitos da pessoa (mulher) sobre os direitos de uma forma de vida embrionária (que está muito longe de ser o bebé que, desonestamente, alguns gostam de referir). O seu triunfo despenalizará o aborto até às 10 — pessoalmente acho que seria mais equilibrado até às 12 — semanas.
Quem achar, por convicção religiosa ou outras, que o aborto é um "pecado mortal" ou a violação intolerável de uma vida, não deve praticá-lo. Compreende-se até que tudo faça para persuadir os outros a não o praticarem. Mas não pode impor-lhes a sua moral e as suas convicções. Muito menos servir-se do Estado e do Direito para o fazer, condenando-os à prisão, caso as não sigam. É isso que faz o Não!
A despenalização do aborto, que o Sim defende, não obriga ninguém a actuar contra as suas convicções e a sua consciência.
Por tudo isto, e ainda, porque a despenalização do aborto é a solução que melhor garante a liberdade da mulher quanto à sua maternidade e o indispensável tratamento humano das situações de miséria e de humilhação provocadas pelo aborto clandestino,
Por tudo isto, e ainda porque tenho absoluta confiança nas mulheres da minha terra,
Por tudo isto, no dia 11, votarei Sim!
Publicado no Eco da Notícia
"Por tudo isto, e ainda porque tenho absoluta confiança nas mulheres da minha terra, votarei sim!"
ResponderEliminarAo meu querido "Maio":
Porque a história da minha vida é um paradigma...
Porque sou uma mulher da tua terra (e tu um Homem da minha terra)...
Porque o Zeca nos juntou:
Tinha eu pouco mais de vinte anos, era trabalhadora estudante, apaixonei-me por um colega, casado, que vivia separado da mulher. Eu vivia em Lisboa, muito longe dos meus pais e tinha casa própria. Isto é, tudo nas nossas vidas se conjugou para que vivessemos juntos por algum tempo. Entretanto o "meu grande amor", porque tinha uma filha, ía uma vez por outra à sua antiga casa, no Norte.
Quando nos apercebemos que eu estava grávida (isto, um mês depois de iniciarmos a relação), ele informou-me que a "legitima" também estava grávida. Fiquei de rastos, principalmente porque tinha pouquíssima experiência de vida e não podia acreditar que fosse possível existir uma outra relação dentro de um tão grande amor...
Enfim, assustadíssima, sem saber como contar ao meu pai, aceitei que me desse uma injecção que, segundo ele, me provocaria a ivg. Chorei toda a noite depois de ter tomado a injecção e, de manhã, fui para o trabalho e, à noite, para as aulas.
Já passaram trinta e dois anos mas lembro-me como se fosse hoje, de todos os passos que dei, de todas as conversas que tive. Lembro-me, especialmente, de como fiquei feliz depois de ter percebido que a injecção não tinha feito efeito...
Passados dias, falei com uma amiga que me aconselhou a fazer um aborto. Ela estava a acabar medicina e disse-me que a criança podia nascer deficiente por causa da injecção.
Sentia-me completamente só mas tinha uma enorme vontade de ter aquela criança. Não podia, no entanto correr aquele risco.
Fui acompanhada por uma profissional competentíssima, assistente de um obstetra prof. da faculdade de medicina.
Disse-me que era um rapaz e afagou-me a cabeça. Perguntou-me se o pai era o rapaz que estava à minha espera na sala.
Disse-me que, antes de adormecer, eu ainda tinha dito: "meu pai, meu querido pai".
Não sei quanto custou mas sei que foi muito caro. O pai pagou!
A mãe continua a contar os anos como se de um verdadeiro aniversário se tratasse. Faz em Dezembro trinta e dois anos.
Com um beijo para o amigo "Maio"
H.